A deficiência visual é definida clinicamente como a perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos, com caráter definitivo, não tendo possibilidade de ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes ou […]
A deficiência visual é definida clinicamente como a perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos, com caráter definitivo, não tendo possibilidade de ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes ou tratamento clínico ou cirúrgico. Mas na prática, essa dificuldade pode ser definida como: “Ou você aceita e supera, ou passará sua vida lamentando e reclamando”. Palavras do tecnólogo em alimentos, recém formado e empregado, Deivisson Lima de Araújo, 24, que perdeu a visão aos 11 anos e quando se deparou com a deficiência total de um de seus sentidos pensou que teria dois caminhos. Ou ele lutava contra as dificuldades ou viveria na dependência de seus pais. “Eu sabia que seria difícil, mas era o mais inteligente a fazer naquele momento. Por isso, depois de ter passado a fase de depressão, resolvi voltar a estudar na escola pública. Ganhei uma bolsa de estudos em um colégio particular de Marília e como sempre gostei de química me indicaram a Fatec, onde eu poderia me formar e ter uma profissão”, contou. Deivisson nasceu com a visão perfeita, mas por conta de uma reação alérgica a um medicamento ele desenvolveu uma síndrome chamada de Stevens-Johnson, que muitas vezes é fatal e ataca principalmente boca, olhos, uretra, vagina e ânus, com lesões avermelhadas. Com o agravamento da síndrome, o tecnólogo teve lesões muito graves nos olhos e no rosto e por conta disso perdeu a visão. As lesões tem o formato de bolhas ou vesículas e se manifestam de forma tão agressiva que levam a alterações no sistema nervoso central, sistema gastrointestinal, rins e coração. Geralmente a síndrome de Stevens-Johnson é uma reação alérgica a medicamentos como a Penicilina e antibióticos que contêm sulfa. Ela surge de forma repentina entre uma e três semanas após o indivíduo usar ao medicamento. Sua incidência é de um caso em cada um milhão de pessoas. Ele foi o primeiro aluno com deficiência visual atendido pela Fatec “Estudante Rafael Almeida Camarinha” e apesar de ser novidade, a instituição já estava preparada com estrutura que possibilitou a ele se locomover pelos corredores e principalmente deu a ele todo respaldo psicopedagógico para o acompanhamento das atividades. “O que me deu forças quando entrei na Fatec, foi que as pessoas não me tratavam como um ninguém ou como um bebê recém-nascido. Elas me tratavam como alguém normal e capaz de estudar e render na faculdade”. Deivisson colou grau como tecnólogo em alimentos na noite de 26 de julho, em cerimônia realizada pela Fatec, na presença dos colegas de faculdade e ao lado de sua esposa. Atualmente, ele trabalha dando treinamento e auxílio em laboratório de análise de amostras em uma das grandes empresas de alimentos de Marília. “Eu já havia conhecido outros casos de superação e como tive apoio da escola de reabilitação e de tantas outras pessoas como minha família, resolvi seguir em frente e vencer”, disse Deivisson. Débora seguiu os conselhos da filha e voltou a estudar A depressão foi deixada para trás depois que Débora Calixto Bonfim, 35, resolveu se mexer para se adaptar à vida que seria sua condição permanente. Com a única filha criada e uma vida inteira pela frente, limitada por uma miopia severa, agravada por um processo de degeneração macular, que a deixou com 3% da visão apenas, ela voltou a estudar e guiada pelos conselhos da filha Priscila, 18, ingressou no curso de tecnologia em alimentos da Fatec de Marília. “Eu incentivei porque vi a tristeza profunda que ela estava e como não queria ver minha mãe se sentindo assim busquei informações para que ela pudesse começar a fazer o curso. Eu sabia que já tinha um rapaz com o mesmo problema e foi o que me deu mais energia para incentivá-la”, conta Priscila que também é aluna do curso da Fatec. Como teve que parar de estudar quando a miopia se agravou, Débora não teve dúvidas em terminar o ensino médio sabendo da oportunidade que teria de estudar mais. Com o certificado do segundo grau em mãos, o próximo passo foi fazer a inscrição para o vestibular, que já tinha a opção da prova com fonte ampliada. “Ela passou muito bem no vestibular e pra mim foi um exemplo de vida e de superação que se confirma todos os dias dentro da faculdade e no laboratório de pesquisa onde estagiamos juntas”, disse Priscila. Apesar de estar afastada há três anos do mercado de trabalho e estar deprimida, o acolhimento dos professores e dos alunos deram novo fôlego para Débora que se animou e hoje é um das melhores alunas da turma. “No começo eu tinha medo de não conseguir acompanhar os alunos, de atrapalhar a turma, mas tive todo o respaldo da faculdade com uma estrutura adaptada para o deficiente visual. Tive medo até de ver minha classificação no vestibular que por sinal foi muito boa”, lembra a estudante. Débora agora cursa o segundo ano do curso que tem duração de três anos e faz estágio no laboratório de pesquisa e desenvolvimento de fisicoquímica da Fatec. “Estou buscando mais segurança no que faço para o próximo ano buscar uma vaga de estágio em alguma empresa. Sei que sou capaz e que dará tudo certo”. Passar o dia inteiro dentro da faculdade é um verdadeiro prazer para Débora, que vai de manhã para a aula e à tarde para o estágio onde fica até à noite. “A faculdade mudou minha vida e por isso me dedico 100% não só em dar o melhor nos estudos, mas também às amizades que fiz aqui e o ambiente saudável onde convivo todos os dias”, completa. Faculdade disponibiliza estrutura e acolhimento Com a chegada de Deivisson à Fatec “Estudante Rafael Almeida Camarinha” a coordenação e todos os professores tiveram que se adaptar às necessidades dele. Para isso foi contratada uma professora especial e todos os materiais de estudo e as aulas eram gravadas para que ele pudesse estudar sem nenhum prejuízo em relação aos outros alunos. Segundo o coordenador do curso de tecnologia em alimentos, Leandro Repeti, a preocupação principal foi acolher Deivisson com uma estrutura adequada e que ele pudesse desenvolver todas as suas habilidades. Por isso, desde o vestibular, que foi feito de maneira especial para que ele pudesse ser avaliado, todos os detalhes foram pensados para que ele pudesse se sentir bem e acolhido na Fatec. A equipe de 25 docentes, das 44 disciplinas do curso também foi treinada e uma professora com conhecimentos técnicos na área de alimentação e especializada em educação especial foi contratada para acompanhar o novo aluno nas atividades. “Ele foi nosso primeiro aluno com deficiência visual e foi um desafio muito grande, mesmo porque os professores teriam que entender o problema e obrigatoriamente agir de maneira diferenciada com ele em relação à formulação das avaliações semestrais e procurar tirar dúvidas quando surgissem”. Hoje, além de Deivisson que acaba de se formar e da Débora que está no segundo ano, existem outros dois deficientes na faculdade, estes com dificuldades físicas, um do primeiro ano e outro do segundo. “Agora já estamos acostumados à nova realidade e ao dia a dia de cada um e estamos buscando melhorar a cada dia para facilitar a vida deles aqui dentro”, disse Repeti. Além da estrutura acadêmica e do acolhimento, a Fatec também possui todo o prédio adaptado à lei de acessibilidade, o que facilita os alunos com deficiência a se locomoverem pelas instalações sem grandes dificuldades. Precisa-se de educadores especiais com paciência e amor Formada em tecnologia de alimentos em 2009 e especializada em gestão do controle de qualidade e educação especial, a ex-aluna da Fatec de Marília, Amabriane Oliveira, 26, se interessou pela vaga que a faculdade divulgou há cerca de três anos. Era a chance dela colocar em prática os conhecimentos que adquiriu em anos de estudos e ainda ajudar quem tem vontade de progredir. Ela trabalhava em uma indústria de alimentos na época, mas resolveu buscar a vaga como professora. “Foi uma seleção breve e eles precisavam de alguém com formação muito específica como a minha. O candidato precisava ter uma boa base teórica na área de alimentos e ter formação em educação especial”. Para trabalhar com os alunos, Amabriane lançou mão de todo seu amor pela profissão e de muita paciência adquirida na especialização em educação para entender e buscar caminhos para o desenvolvimento de cada um deles. “A deficiência é um fato na vida deles, por isso o jeito era encontrar maneiras para driblar o fato e procurar desenvolver todas as habilidades que o curso requer”. No caso de Deivisson, a professora confessa que foi um pouco mais fácil, já que ele estudou em boas escolas. “Ele chegou com uma base muito boa e como sempre foi muito autônomo teve uma evolução rápida e de qualidade. Por isso conseguiu se encaixar na empresa onde trabalha agora”, lembra Amabriane. Com a Débora o desenvolvimento foi mais detalhado. “Tivemos que trabalhar inclusive a parte de relacionamentos, flexibilidade e assim, adquirindo confiança ela conseguiu atingir um desenvolvimento muito bom”. Amabriane conta que o essencial é resgatar a autoestima e levar os alunos a confiarem em si mesmos, o que ajuda também a criar uma maneira nova de ver a vida e de se relacionar com as pessoas, já que um profissional apenas técnico não é completo. Para sua vida inteira, a professora conta que deve levar o exemplo de cada um. “Não por eles serem deficientes e terem alcançado um certo grau de conhecimento. Mas sim pela determinação e comprometimento que cada um deles tem pelo que está fazendo, independente das adversidades. Quando os conheci me tornei uma pessoa muito mais grata e comprometida com minha própria vida”. Reportagem: Jornal Diário de Marília http://www.diariodemarilia.com.br/Noticias/124740/Derrubar-barreiras-a-especialidade-daqueles-que-superaram-a-deficincia-visual